segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Numa cidade capitalista, por que não cortar o cabelo e tirar a barba?



Depois de militar por treze anos em causas do PT cearense e de se envolver em projetos sociais de ONGs, Paulo Pereira da Silva, o "Paulinho Cariri", carrega na alcunha o nome de sua origem, até o dia que decidiu desembarcar em Mossoró, onde ficou conhecido como "O Poeta do Lixo" depois que morou de 2003 a 2005 no lixão da cidade.
O lixão foi desterro que o acolheu depois da guerra perdida para "fazer arte" na cidade. Para o poeta, aliás, a bomba da rejeição da elite artística de Mossoró destruiu apenas o tempo que poderia ter sido ontem e resolveu ser hoje. Na época, em meio a miséria óbvia do lixão, a arte brotava através do trabalho do artista plástico e decorador que aproveitava materiais recicláveis para transformar os restos da burguesia em obras de arte, pelo menos no imaginário dele. Juntando plásticos, revistas velhas, pedras, pneus e até crânios bovinos, Paulinho Cariri, na época, ergueu um "lar" sem teto.
Na casa, não muito engraçada, ele produzia quadros à base de colagem de recortes de revistas que ficam com aspecto de uma pintura a óleo. "Eu fui rejeitado pela sociedade intelectual de Mossoró e já venho há quatro anos mendigando para trabalhar na cidade", diz o artista.
A resposta para o por quê da insistência em permanecer numa cidade que não valoriza o trabalho dele vem do além. "É uma questão espiritual, eu sou espírita. Alguma coisa dizia dentro de mim que eu deveria ficar em Mossoró", conta o poeta do lixo.
A elite artística da época que Paulinho insistia em Mossoró, dava conselhos que ele preferiu não seguir. "Tirar minha barba e cortar meu cabelo? Tenho que ficar careca? Eu tô passando por aqui como posso passar em qualquer cidade do país". Entenda-se que Paulinho hoje estará onde houver oportunidade para trabalhar.
A terra natal o acolheu este ano e Paulino Cariri conseguiu o reconhecimento que tanto persegue: expôs seus trabalhos na Universidade Federal do Ceará e está envolvido em outros projetos culturais junto a universitários e já tem até site (www.pbase.com/paulinhocariri). A idéia dele é tentar trazer os frutos da imaginação para Mossoró novamente. Os quadros/recortes estarão expostos no Sesc, em janeiro, onde realizará oficinas para os funcionários. Mas ele quer ir além, realizando oficinas de arte para os meninos e meninas pobres sem acesso ao entretenimento e muito perto dos perigos da pobreza.
Obervador, Paulinho enquanto mostra suas obras (recortes de revistas que dão materialismo às idéias que ele tem da natureza, da religião, da sociedade capitalista) presta atenção ao 'feedback' de quem conversa com ele. Ou mais que isso. Assim como talento que não se explica, ele procura sentir a aura do interlocutor, ou de quem está perto, para decidir se quem o rodeia merece uma de suas obras de presente. Para ele, arte não tem preço. "Trabalha que tu ganha o teu, faz alguma coisa, mas minha arte não tem preço. O dom que Deus me deu não vou compartilhar à toa", revela.
De seu longo cabelo preso numa espécie de touca, sua barba de mago e seu cheiro de cravo (que ele mastiga a cada cinco minutos), pensamentos entrecortados ganham o espaço e capturamos que suas obras estarão expostas em museus de São Paulo e ele pretende ir ao programa do Jô Soares.
O poeta do lixo assim se chama porque Paulinho não apenas trabalha a transformação da matéria. Analfabeto, os versos estão presos apenas na memória dele, de onde registramos um declamado na redação:

Seu doutor esqueceu nósInda tamo a esperar
Hoje já faz quatro anos que o senhor me visitou
Prometeu tanta fartura e onde é que o senhor tá?
Se o doutor ainda se alembra
O senhor olhou pro céu
Fez então uma oração e me disse
Eu sou justo, acredite! Seu Manoel
Passou a vista no sertão vendo tudo seco e magro
Me falou da irrigação
Disse em mente faço parte
Eu fiquei tão alegre
Cheguei até pensar que esse doutor caiu do céu
Pra minha vida miorá
Tanta promessa
Tanto palavrão bonito
Que tive que acreditar
O doutor foi eleito
Nunca mais apareceu
Nem chuva nem irrigação
A semente nem Deus deu
E o sertão continua ao deus-dará

Paulinho Cariri conta que pensou nesses versos matutos em 1996 quando deixava a recepção do inferno, como ele prefere chamar a prisão.

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