segunda-feira, 24 de março de 2008

Entrevista: Álamo Kário


Caderno Universo de 02 de março de 2008


Nascido e criado no bairro Boa Vista, o músico Álamo Kário está em Mossoró, de férias, vindo do Acre, onde hoje mora e constituiu família. Aqui, além de matar a saudade dos familiares, ele veio rever os amigos e reviver as "jam sessions" com os músicos da cidade. Da "Black Music" que o fisgou no final dos anos 1970 à mistura de ritmos regionais e universais, Álamo hoje relembra o passado com prazer e vive o presente de ser um dos artistas mossoroenses mais bem sucedidos dos últimos tempos.


WILLIAMS VICENTE


OM - Como foi que você descobriu a música?
AK - Comecei aqui em Mossoró, sou mossoroense nascido aqui no bairro Boa Vista, em 1966. Vivi aqui jogando bola e aos sete anos fui apresentado ao mundo musical. Aí comecei a colecionar discos e fitas naquela época, se escutava muita "black music", discoteca, na época da novela Dancing Days. Eu não me lembro muito como foi, sei que tinha uma caixa de som, um toca-fitas, coisa de pré-adolescente. Comecei nessa época a pensar nos ídolos, pela mídia, pela TV, a gente vai se familiarizando com certo estilo, naquela época era discoteca, eu tinha entre 7 e nove anos. Lembro que tinha discos do Tavares, o próprio Michael Jackson, Donna Summer, Barry White. Depois disso, comecei a curtir rock. Isso aí já foi entre os 14, 15 anos.

OM - Nessa época você já tinha idéia que seguiria essa carreira?
AK - Depois dessa passagem da discoteca, veio a onda do rock e comecei a gostar de rock, lembro quem em 1984, já ia acontecer o Rock In Rio, minha mãe disse assim, "você quer ir pro Rock In Rio ou quer ganhar uma guitarra?". Eu disse que queria uma guitarra.

OM - E você já tocava?
AK - Eu tocava mal. Entre os 10 e 12 anos, tinha um conjunto que ensaiava em frente à minha casa e foi aí que dei os primeiros passos pra minha careira. Assistia aos ensaios, pegava num violão aqui, acolá. Quando tinha 15 anos, já tinha um violão e uma guitarra, comecei a me aprofundar mais na música, mas não profissionalmente.

OM - Você virou um guitarrista?
AK - Nessa época, até os 17 anos, comecei a tocar, a entender o que seria acordes, melodia, comecei a tocar violão. Nessa mesma fase fui apresentado à guitarra e já conversava com a galera que fazia som na cidade. Foi quando passei no vestibular pra Letras na Uern, foi realmente quando começou minha vida profissional. O saudoso Ricardo Rogério disse nessa época, 'poxa, cara! Você canta e toca legal, por que a gente não faz um show?'. Eu pensei, pode ser! Ele armou tudo, e lembro que foi uma emoção diferente da de todas que senti. Eram shows sem produção, sem uma certa lógica no que se refere à produção musical, mas foi muito marcante porque foi o primeiro. A partir daí comecei a querer ser artista, compositor, poeta. Fiz o meu segundo show também por intermédio da faculdade, lá na Aceu, foi uma coisa mais produzida, e não parei mais, isso de 1983 até 1986, que foi quando lancei meu primeiro disco.

OM - Foi um compacto?
AK - Um compacto duplo, duas músicas de um lado e duas do outro.

OM - Rock?
AK - Na vertente pop. Na verdade, o que passei naquela época foi um certo preconceito que tinha. Por ser nordestino e tocar rock, era meio preconceituoso. Talvez seja até uma bobeira minha, mas era um pouco radical pra época, usar cabelo longo e tocar guitarras mais pesadas. A vizinhança já não olhava com bons olhos. Era complicado. Mas não diria no mau sentido da palavra. O Nordeste é muito raiz, muito forró. Mas consegui superar porque tinha e tenho muita consciência do que estava fazendo.

OM - Você chegou a terminar a Faculdade de Letras?
AK - Não, foi quando aconteceu uma tragédia na minha vida. Foi a morte da minha mãe que foi quem me deu toda estrutura para lançar meu primeiro disco. Ela me apoiou muito, meu pai também, mas ela foi quem me deu uma força grande pra gravar. E quando lancei foi recorde do público, três mil pessoas no Sesc. Nunca ninguém tinha colocado um público desse lá.

OM - Você conseguiu vender nesse caso?
AK - Consegui. Na época foi um show marcante pra Mossoró e pra toda a região.

OM - E por que você saiu de Mossoró?
AK - A velha história do preconceito. Foi uma coisa legal, diferente, mas continuava a questão do preconceito o lance do forró era muito forte e passei por isso. Então ficou complicado seguir a carreira autoral naquela época. Não é que não daria. Se você me perguntasse se daria, eu diria que sim, mas foi uma fase muito complicada na minha vida com a morte da minha mãe, aí recebi um convite de um primo que mora no Acre. Ele perguntou se eu não queria fazer uns shows em campanhas políticas. Isso em 1990. Antes rodei os municípios aqui do Oeste, fiquei muito conhecido na época, mas era muito difícil, a mídia hoje é muito mais fácil. Os empresários da época não tinham essa condição que têm os empresários hoje. Então fui pro Acre e posso dizer hoje que o Acre não me deixou sair de lá.

OM - Por quê?
AK - Porque fui muito bem aceito, muito bem recebido.

OM - A cena rock de lá hoje é forte, não é?
AK - Tem uma banda lá despontando, foi escolhida entre os 50 melhores discos do Brasil pela revista Rolling Stone, a Los Porongas. São todos amigos meus, a gente faz churrasco lá em casa, bebe cerveja, faz um som lá em casa.

OM - Mas apesar de parecer uma cena forte, pelo menos para a música alternativa, e para quem garimpa o som de longe, pela internet por exemplo, dentro do próprio Acre deve ser difícil fazer rock, não?
AK - O Brasil é muito grande e a gente faz idéia às vezes que uma região é de um jeito e não é. No Acre é tão difícil de fazer música quanto aqui. Apesar de ser capital e de ter muita gente do Sul, do Centro-Oeste do país, mas é complicado também. A cena lá é bem vista? Não é assim. O que rola na internet nem sempre é a realidade. Mas tem os movimentos, tem uma rádio que é específica em música autoral, vamos colocar umas aspas bem grandes, na boa música, que é a Aldeia, que preza pela qualidade.

OM - Foi mais fácil trabalhar lá de todo modo, então?
AK - Foi mais fácil. Talvez se eu estivesse aqui, já tivesse achado meu caminho. Podia até ter desistido, sei lá. Mas lá posso dizer que sou muito feliz, meu trabalho é muito bem aceito, faço de tudo, toco em barzinho, faço show autoral, toco carnaval, não faço só rock.

OM - Você nunca cogitou voltar?
AK - Sempre pensei, mas é difícil. Porque tenho minhas coisas lá, minha casa, sou casado. Toda mudança é meio complicada.

OM - Depois do primeiro compacto lá na década de 80, o que rolou de gravação?
AK - No Acre lancei um CD em 1997 e outro em 2005. O primeiro que lancei lá foi baseado também na vertente pop/rock. Esse de 2005 tem pitadas da música nordestina, influência do que ouvi meus pais ouvirem.

OM - O que era?
AK - Meus pais ouviam Genival Lacerda, Luiz Gonzaga, Marinês. Lá , por eu ser nordestino, as pessoas esperam de mim muita vertente daqui do Nordeste na minha música e eu faço rock. Só que de uns tempos pra cá, venho me aprofundando mais no Norte-Nordeste e gostei de fazer. Tem duas músicas nessse CD (N. do E. O CD de 2005 leva o nome dele) que ganhei dois prêmios lá. "Cuidado com os gringos", um baião e depois entra um rock e "Rimadêra", que fala da cidade de Rio Branco.

OM - Tem alguma homenagem a Mossoró?
AK - Tem. "Turista" que tem a participação de meu pai, velho Aristeu Holanda, meu pai sempre muito poeta, tem poesias de cordel, de vários estilos.

OM - Sua descoberta musical foi com a Disco. Quem são as influências de hoje?
AK - Na época que fiz a faculdade, fui apresentado à MPB, quando vi os acordes de Djavan, Caetano, Gilberto Gil, fiquei encantado. Adoro blues, baião, Luiz Gonzaga, AC/DC, Led Zeppelin. Não saberia dizer o estilo que gosto mais. Tudo levei pra minha música. Toco João Gilberto, Tom Jobim, faço as 'jam sessions', toco Bartô Galeno que a galera chama de brega e eu chamo de autenticidade.

OM - O que você trouxe para Mossoró?
AK - Trouxe esse trabalho que ainda não havia divulgado aqui. É um trabalho amadurecido da minha carreira. Feito no Acre, produzido por amigos meus, Ney Quinonero e Sardinha, dois músicos excelentes que moram em Goiânia hoje, e tô trazendo também minha energia, minha luz, minha saudade, estou curtindo, estou de férias.

OM - Qual é o futuro da música, especialmente para quem começou gravando um compacto e hoje está na era do mp3?
AK - Rapaz, eu estava pensando nisso outro dia, e realmente não sei. Daqui uns dias, você não vai mais vê CDs por aí não. Mas como é que você vai sobreviver da venda de sua obra? Alguns colocam a venda na internet. Eu acho que o futuro é esse aí. E fazer shows.

OM - O Radiohead já abriu o caminho colocando o CD na internet pelo preço que o cliente quiser, de graça inclusive. Por um lado, acho positivo porque o artista vai ser obrigado a se aproximar do público através dos shows...
AK - Mas e quem é independente como eu, você vai gastar 30, 40 mil reais pra produzir um bom show?

OM - Mas para quem está no circuito alternativo, não seria um via de mão dupla, a internet não será uma maneira de divulgação e barata?
AK - Fazer shows é complicado, você tem que cair na mão de um cara que vá com a sua cara, vá com suas músicas, que veja que vai dar lucro pra ele. Então, o cara tem que bancar os discos e os shows pra poder arriscar que alguém grande veja e pensar em ganhar dinheiro, ou sobreviver de música.

OM - Apesar dessa incerteza é possível viver de música?
AK - Eu sempre falei isso, desde quando estava aqui em Mossoró. Quando você acredita no seu talento, quando você se organiza pra seguir sua carreia, não só na música, em qualquer profissão, você consegue. Agora ficar rico é outra história. Tenho pra botar gasolina no meu carro, fazer minha feira, comer num restaurante, tenho minha casa, consegui tudo isso com a música, sou feliz dessa forma.

OM - Já pensou em ficar rico?
AK - Já pensei, mas quando era mais jovem, hoje acho que a felicidade não está no dinheiro. Sou um cara feliz, tendo o que tenho e não sou rico né! Sou feliz por poder viver do que faço, da arte de minha música.

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