sábado, 15 de setembro de 2007

Entrevista: Zuleide Vieira de Sá

fotos: Habner Weiner
Vaidosa, Zuleide Vieira de Sá é desses personagens que são um registro legítimo da história de Mossoró, onde nasceu. Especialmente quando se pensa em educação. A história do Instituto Alvorada começou em fevereiro de 1968, quando Zuleide se uniu a irmã, Zilma. Diretora da própria escola há 40 anos, ela viu crescer deputados, arquitetos, médicos, advogados e etc. A proprietária de escola privada que defende o ensino publico com afinco, na entrevista a seguir, traça um panorama sobre educação pública e privada, fala do amor ao trabalho, condena as cotas universitárias e lembra com saudosismo dos bailes de carnaval de 1950 a 1970 que ajudou a organizar.



O Mossoroense - A senhora trabalhava como professora antes de fundar o Instituto Alvorada?
Zuleide Vieira - Era, eu e Zilma. Éramos funcionárias do Estado. Nós fomos agraciadas pelo então secretário de Educação, Tarcísio Maia. Não havia ainda essa norma de concurso. Hoje já predomina o que é bem favorável, bem melhor do que funções criadas por situações políticas. No meu caso, não foi linha política porque meu pai também não era, mas os políticos visitavam meu pai porque ele era comerciante. Tarcísio Maia sonhou em colocar a educação infantil, e ele construiu um prédio em frente à Praça do Congresso. Eu fui agraciada como outras colegas também foram.
O Mossoroense - Depois que a senhora fundou a escola, quais as dificuldades encontradas? Zuleide Vieira - A primeira dificuldade foi montar. Porque nós tivemos a alegria de fazer funcionar a escola dentro de um espaço que pertenceu a meus avós maternos. Veio processo de restauração, montagem imobiliária. Três, quatro anos depois tivemos que contratar a primeira professora. As dificuldades mesmo foram os recursos, porque tudo nós tínhamos que montar. Passamos um ano que a coisa embaraçou mesmo e quem me deu um apoio foi Romildo da Escóssia. Ele sentiu que a gente deveria ter continuidade. Foi apoio para um convênio com o município. Tarcísio Maia também me concedeu um convênio com o Estado. As dificuldades foram também o salário dos professores, a dificuldade de manter em dia, a quantidade de alunos, a receptividade para as novas propostas pedagógicas.
O Mossoroense - Por que se paga tão mal aos professores?
Zuleide Vieira- Você tocou numa tecla que dói no coração. Paga-se mal porque as escolas, a realidade do Alvorada, por exemplo, são 12 impostos, e tenho que cumprir. E daí tem a inadimplência. Se todos os pais tivessem consciência da valorização da formação do seu filho, não haveria dificuldade e eu pagaria melhor.
O Mossoroense - Isso é uma realidade do colégio privado, os impostos pesam muito, mas, e no caso do ensino público que é o governo quem banca já com nossos impostos?
Zuleide Vieira - É uma realidade de longos anos, e isso é muito função política que não quero entrar, mas vejo a escola pública como caminho de abertura para um novo renascer. Porque hoje vejo o professor mais preocupado em saber fazer. Se você olhar para qualquer área profissional o berço está na educação e se querem educação melhor, tem que partir do adulto, do profissional e tem que partir daqueles que têm as verbas voltadas para educação e não aplicam.

O Mossoroense - Então, qual é a avaliação que a senhora faz do ensino público e do privado? Zuleide Vieira - O que se tem para ensinar na escola pública tem que ensinar na escola particular. A criatividade, as interferências, é cada escola que faz. Acredito que tem escolas boas e ruins nos dois casos. Agora quem faz o que gosta, penetra, tem vontade de oferecer, de realização, de crescimento.
O Mossoroense - Quem é o bom aluno?
Zuleide Vieira - É bonito ver nossas crianças lendo e escrevendo. E ela tem que ser plena, não pode ser restrita só no ler e escrever. Esse universo não é de agora, era de muitos anos atrás. Como ele age com mais amabilidade, com senso crítico, com mais fundamentação em prosseguir o seu processo de estudo. Tem os que gostam mais e os que gostam menos. Mas de onde vem essa influência toda? Do lar. O lar é o berço, é o caminho para tudo isso, é a integração do indivíduo onde ele constrói seu conhecimento. A família diz 'olha, o melhor caminho é este'. Em toda sociedade, no lar, na escola, tem que ter limite. Como é que ele vai entrar numa sociedade se ele não identifica os limites que impõem a ele? Existe o bom aluno e o aluno que tem que estar em formação. Mas o bom aluno é porque tem o respaldo da família. É aquele que sabe ouvir, tem motivação, tem acompanhamento.

O Mossoroense - O puxão de orelha não parte da escola apenas, então?
Zuleide Vieira - A escola é motivadora, é quem incentiva. O Mossoroense - E quem é o bom professor? Zuleide Vieira - O bom professor está nele querer. O mau é o fisiologista, aquele que vai ali só para ganhar o dinheiro. A qualidade do ensino é fazer o aluno compreender que ele tem que aprender, é ele construir seu próprio conhecimento. O professor tem que abrir o espaço para que ele construa. Toda base do profissional está na leitura.

O Mossoroense - A senhora é a favor das cotas universitárias?
Zuleide Vieira - Não. Acho que limita muito. A universidade tem que ser aberta para todos. O

Mossoroense - Mas a idéia da cota é dar oportunidade a alunos de escola pública que não competem com os da escola particular, por exemplo.
Zuleide Vieira - Então por que não beneficiam e dão toda assistência, não colocam aquelas pessoas que abraçam a educação para que sejam atendidos todos? Para que este privilégio? Deve investir na faculdade, na escola pública, porque o direito é universal.
O Mossoroense - E privatizar as universidades, nem pensar?
Zuleide Vieira - Deus me livre, aí acabam com tudo. Deve-se é criar mais.

O Mossoroense - Soube que a senhora também organizava bailes de carnaval em Mossoró. Zuleide Vieira - Os bailes de carnaval eram maravilhosos. Nas décadas de 1950 a 1970, não sei precisamente a data, existiam vários blocos bonitos organizados por dona Eudérica, Cantíbio, Guido Leite, Nestor Saboya, Lauro da Escóssia Filho. O primeiro que fizemos foi de fadas só para mulheres com máscaras de carnaval, marchas, sambas que a gente só escutava pelo rádio, fazíamos coreografias, treinávamos.

O Mossoroense - Rolava muita paquera?
Zuleide Vieira - Era bom demais. Paquera, namoro, só não fazia fugir do nosso bloco, mas em outros aconteciam. Era a sociedade em evolução. Existia sabe o quê? O lança-perfume.

O Mossoroense - Como era usado o lança-perfume nessa época?
Zuleide Vieira - Tinham os danadinhos que o lança-perfume vinha direito no olho, tinham uns que davam pra rir, riam com muito gozo. O carnaval era muito divertido. Anunciavam a entrada da gente no clube, era divertido, não havia confusão, as famílias estavam presentes, os pais acompanhavam seus filhos, não havia isso de pagar mico. Era saudável.

O Mossoroense - Ano que vem sua escola faz 40 anos. É muito tempo dedicado à educação. Que futuro a senhora acredita que está guardado para as crianças que passaram e passam por aqui? Zuleide Vieira - Espero que elas tenham continuidade, não só no aspecto do conhecimento, mas no aspecto da orientação das suas habilidade e atitudes. Tenho notícias de alunos que vêm à nossa escola, pais que vêm dizer 'muito obrigada, hoje minha filha está formada'. Isso é um pequeno e um grande passo de realização.

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