sábado, 22 de setembro de 2007

Valdeci dos Santos Júnior

fotos: Habner Weiner
Professor de História da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) com mestrado em Arqueologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Valdeci dos Santos Júnior é um almanaque ambulante dos registros pré-históricos do Rio Grande do Norte. Apaixonado pelo que faz, ele já andou todo o Estado atrás de descobrir como viviam os antepassados que moldaram os traços de nossa cultura. Nas andanças, 205 sítios arqueológicos foram catalogados e registrados em vídeo ou fotos. Com respostas na ponta da língua para matar toda curiosidade sobre o passado, Valdeci dos Santos, na entrevista a seguir, desvenda os mistérios da arqueologia potiguar.

O Mossoroense - O que é a arqueologia?
Valdeci dos Santos - A arqueologia trabalha com os vestígios materiais da cultura humana, de sociedades que nos antecederam. Normalmente é dividido o campo histórico em duas fases, a parte da pré-história, que é o período anterior ao aparecimento da escrita, e a parte histórica que é o período que abrange as sociedades que possuem a escrita. Isso é uma visão da historiografia, que geralmente é contestada por nós, porque para nós tudo é História, desde o início da evolução do homem. Mas a arqueologia trabalha justamente com esses vestígios materiais dessas sociedades que não têm escrita. Então, a gente tenta reconstituir todo modo de vida, costumes, a questão da disposição das habitações, os utensílios, vestuários, através dos vestígios materiais que essas sociedades deixaram. Essa é a tarefa da arqueologia: reconstituir aquilo que a escrita está ausente.

O Mossoroense - Que tipo de vestígios geralmente se encontram?
Valdeci dos Santos - Depende da região e do local que você vai fazer esse trabalho e o que você quer reconstituir. Mas no Nordeste quando você quer reconstituir a História dos grupos que viveram anteriormente a chegada dos portugueses em 1500, são os grupos pré-históricos, e para os grupos pré-históricos a gente trabalha com três tipos de vestígios que eles deixaram. Os vestígios cerâmicos porque um determinado grupo de sociedades já praticava a agricultura desde quatro mil anos atrás no Nordeste. E no Rio Grande do Norte entre quatro mil anos até o período colonial grupos do Estado já praticavam agricultura, principalmente nas regiões serranas. A cerâmica, que são fragmentos de argila que eram utilizados para confeccionar potes, vasilhas, utensílios que guardassem alimentos, assim também como servissem para cozinhar a mandioca principalmente que era a base alimentar dos grupos pré-históricos e dos grupos indígenas. Mas eles plantavam também feijão, milho e viviam desses grãos em tempos pré-históricos no Rio Grande do Norte. Outro tipo de vestígio que também os índios pré-históricos adotavam no RN era o material lítico, ou seja, são rochas, pequenos minerais que eram utilizados para confeccionar artefatos para descarnar animais, matar animais da pequena fauna ou para combate. Esses utensílios são divididos em dois grupos: o material da fase da pedra polida usado mais para agricultura e o artefato da pedra lascada que são artefatos utilizados para caça. E o terceiro tipo de vestígio que é o mais fácil de conhecimento da sociedade é o registro rupestre, ou seja, as pinturas e gravuras rupestres.

O Mossoroense - Quem eram os primitivos que habitavam o RN?
Valdeci dos Santos - Já está confirmado por pesquisas científicas da UFPE que os grupos humanos já habitavam o RN há 9.400 anos. Outra pesquisa atesta a presença na região central do Estado há 9 mil anos. É muito comum esses vestígios aparecem nos cursos dos rios, lagoas, porque normalmente o ser humano fica próximo a água. É uma questão de sobrevivência. Quando os portugueses chegaram ao RN havia dois grupos de indígenas. O grande grupo chamado de Tupi, representado pelos índios potiguares que habitavam a faixa litorânea da Paraíba até Tibau, na divisa com o Ceará. Já no interior do Estado havia os Tapuias com varias tribos que habitavam principalmente o Vale do Açu e as regiões serranas.

foto:Valdeci dos Santos
O Mossoroense - O senhor catalogou os sítios arqueológicos que existem no Estado, quantos são?
Valdeci dos Santos - Em nosso trabalho aqui na Uern, que começou em 2001, mapeamos um desses tipos de vestígios que é o registro rupestre. Normalmente o pessoal confunde, mas pintura é muito simples, é o que é pintado e gravura é o que é raspado. Cerca de 205 sítios arqueológicos já foram localizados pela Uern. Agora encontramos também sítios com enterramentos humanos, com material lítico, cerâmico, mas o predominante é o registro rupestre.

O Mossoroense - Aqui na região de Mossoró tem algum?
Valdeci dos Santos - Mossoró não tem registro rupestre pela ausência de formações rochosas, porque tem que ter rocha pra poder pintar ou gravar. Como a região é mais ou menos plana e o tipo de mineral que predomina na região não é o mais adequado para as pinturas e gravuras rupestres, não encontramos até agora nenhum tipo de registro rupestre em Mossoró. Mas encontramos outro tipo de vestígio, existem muitos vestígios cerâmicos às margens dos rios e encontramos também material lítico.

O Mossoroense - Onde estão os sítios no RN?
Valdeci dos Santos - As áreas que têm mais concentração de resíduo rupestre são aquelas que oferecem suporte rochoso. A região do Seridó tem uma grande concentração de pintura nos municípios de Carnaúba dos Dantas, Acari, Parelhas e a região central nos municípios de Santana do Matos, Cerro-Corá, Angicos, Lajes, Fernando Pedroza, Bodó. Com relação às gravuras, são mais abundantes na região do Alto Oeste, como em Caraúbas, Portalegre, Francisco Dantas, Marcelino Vieira, Antonio Martins.

O Mossoroense - O que esses registros retratam?
Valdeci dos Santos - Normalmente eles retratam o cotidiano do que o homem pré-histórico via. Se eles estavam habituados à determinada caça, eles representavam esse tipo de animal na parede rochosa. Representavam também as figuras humanas, tinham uma forma de se representar, assim como toda sociedade tem. Representavam também os vegetais. Mas a maior parte dos registros eram os chamados grafismos puros, aqueles grafismos simbólicos que faziam parte do sistema de idéias daquele grupo, que nem sempre corresponde ao nosso. Mas a gente tenta comparar o que a gente conhece hoje com esse grupo de dois ou três mil anos atrás. A gente pode achar que isso parece um sol, aquilo parece uma lua, mas nem sempre representa aquela idéia que está ali naquele gráfico.
O Mossoroense - E quanto à preservação desses sítios?
Valdeci dos Santos - Temos um programa de televisão transformado em documentário, e durante as filmagens desses documentários observamos que vários sítios sofrem a ação de depredação. Normalmente as pessoas colocam nomes, iniciais, frases, raspam. Vários sítios no RN foram destruídos por causa disso. Outros por inundações com a construção de barragens.


O Mossoroense - Existe política pública para preservar?
Valdeci dos Santos - Existe o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Esse órgão é responsável pela fiscalização desse patrimônio. Os passos que a gente segue é efetuar uma denúncia ao Ministério Público que aciona o IPHAN para que vá fazer uma vistoria e alertar o proprietário da fazenda para preservar aquele sítio arqueológico. Mas política estadual ou municipal não existe, nem uma lei, nem um projeto que invista recuso na proteção desse patrimônio.

O Mossoroense - Mas poderia existir, não?
Valdeci dos Santos - Poderia. Já fizemos vários contatos na Fundação José Augusto, mostramos a necessidade de proteção, mas falta essa política pública que possa alocar recurso para que se venha a proteger esse patrimônio.

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