domingo, 25 de maio de 2008

Entrevista: Estélison Fernandes de Freitas

FOTOS: Luciano Lellys

Pós-graduado em Direito Processual aos 24 anos e trabalhando com Direito Penal no dia a dia de seu escritório de advocacia, Estélison de Freitas caminha para se tornar um expert no assunto com o trabalho que desenvolve à frente da presidência do Conselho da Comunidade da Comarca de Mossoró. O conselho ligado à 1ª Vara de Criminal de Mossoró, criado em agosto do ano passado de acordo com o que recomenda a Lei 7.210/11 de julho de 1984, tem a tarefa de visitar os presídios, entrevistar presos e pôr em prática recursos humanos e materiais para melhorar a assistência ao preso ou internado. Em meados deste mês, por exemplo, o Conselho promoveu cursos de produção bijuterias, fabricação de produtos de beleza e produção de hortaliças, visando a qualificação profissional dos apenados da Penitenciária Agrícola Mário Negócio. É sobre esse trabalho que tem gerado a ressocialização de presos e gerado renda para a família deles, além de observações da área do Direito que Estélison fala na entrevista a seguir.


OM - O que é o Conselho?
EF - O papel do Conselho, o elo para que ele venha a alcançar seus objetivos é que ele tem o mesmo objetivo da política penitenciaria. É justamente dar condições ao apenado de cumprir a pena imposta pelo Estado, mas principalmente pra que a penitenciária não sirva apenas para uma modificação de cada apenado. É importante o elo que a imprensa vai fazer entre o trabalho desenvolvido pelo Conselho e a sociedade. A sociedade estereotipou o apenado,tanto os que estão soltos quanto os que vão sair, que todos são marginais e que não há possibilidade de uma reintegração à sociedade de uma maneira correta e por causa disso repudiam se você pede uma colaboração ou se você encabeça algum projeto. O pessoal tem uma restrição por quem já cometeu algum crime. Nós temos que ter em mente que ela vai recepcionar novamente esses apenados. Todo mundo que entra ali, sai. Então, esse apenado, ele vai voltar. Como a sociedade quer receber esse apenado, como um marginal ou uma pessoa que teve uma qualificação profissional lá dentro? A sociedade tem que entender isso. Não pode esquecer que essas pessoas estão lá, o que ocorrer lá dentro é de interesse da sociedade porque ele vai voltar e a intenção do Conselho, da política penitenciária é que ele volte realmente de forma lícita. Pra que isso aconteça passa pela questão da função ressocializadora da pena que a gente dificilmente tem visto no Brasil e o Conselho existe pra isso, pra tentar amenizar a situação. Nós temos três funções básicas na pena, a punitiva, a restrição da liberdade, depois a questão preventiva que é o exemplo que o apenado dá a sociedade, ele pode dizer "eu fiz isso e fui preso, não faça não que você também vai". E a terceira função é a ressocializadora. Dessas três funções, o grande problema tem sido esse terceiro ponto. É justamente em cima desse aspecto que o Conselho trabalha com Vara de Exceções Penais e as entidades civis que estão se mostrando cada vez mais interessadas nesse projeto. É uma reação em cadeia imediata, vai diminuir a criminalidade com certeza. O apenado que sai ressocializado é um a menos. A gente conseguindo trabalhar em cima dessa terceira função, a gente ataca um ponto crucial, um ponto que pode ser determinante para diminuir o índice de insegurança.


OM - Quem pode participar do Conselho?
EF - Qualquer entidade organizada civil pode fazer parte do Conselho. A gente pode trabalhar também através de parcerias. Contudo, o próprio estatuto faz menção a entidades. A gente já tem algumas parcerias individuais, como também temos parceiros que são entidades que ainda não fazem parte do Conselho. A sociedade como um todo pode fazer parte. Mas de maneira formal, por questões estatutárias, a composição é feita por entidades. Mas colaboradores, pessoas físicas, podem dar sua colaboração através de parceiras.


OM - O trabalho é voluntário no caso?
EF - Totalmente voluntário. Todos estão reunidos tentando alcançar o objetivo de pelo menos amenizar o problema do sistema penitenciário brasileiro que é crônico e reflete diretamente na questão da insegurança.


OM - Existe uma discussão em torno do excesso dos cursos de Direito e da qualidade dos alunos que são na maioria reprovados pela OAB. Qual sua avaliação dos cursos de Direito da cidade?
EF - Aqui podemos dizer que temos bons cursos de Direito. As faculdades particulares possuem realmente uma condição material melhor até mesmo do que a Uern. Contudo, a Uern vem realmente mantendo sua tradição, colocando bons profissionais no mercado. Mas do ponto de vista estrutural, até porque sabemos que o Estado não tem condições de prover toda estrutura que uma particular tem, mas vejo que no campo da qualificação todos estão em bom nível. Num primeiro passo há a seleção do Exame da Ordem e no segundo momento pelo próprio mercado. O mercado é muito seletivo com os profissionais, então, vejo que há um equilíbrio entre as universidades. O próprio Conselho Federal da OAB juntamente com o MEC já vem tomando uma série de medidas pra coibir esse "boom" de cursos de forma a selecionar melhor e gabaritar mais ainda a implementação de novos cursos. Não é uma dificuldade, mas uma seletividade maior. Isso é um trabalho crescente, tem que ser feito de forma gradual. É um trabalho encabeçado como prioridade pela OAB Nacional.


OM - A situação das penitenciárias é de superlotação. Qual é o papel do Estado, o que o Estado tem que fazer, o problema está no dinheiro ou na administração?
EF - Entendo que já existe uma disponibilidade muito grande de recursos na administração pública que vai caber a eles administrar da melhor forma possível. Existe uma série de pacotes de aceleramento, de agenda de crescimento, todas essas condições que vem sendo criadas para prover o Estado de maior potencial e resolver os problemas. Mas imagino que o problema muito maior não passa especificamente pela questão da quantidade de dinheiro, ou da escassez ou da aplicabilidade. A insegurança pública realmente tem uma conotação mais ampla. Podemos começar a partir da educação básica que não é de qualidade. Você passa a não ter oportunidade no mercado de trabalho e quando não há essa condição você tem grande possibilidade de chegar à prisão. É uma seqüência de fatores, falta de educação, falta de oportunidade, e a partir do momento que o apenado é preso, temos a questão da impunidade, a morosidade da justiça e quando o cidadão é preso, há o problema da falta de estrutura do sistema penitenciário, seja física ou humana. A quantidade de agentes, a capacitação, a melhoria dos salários e justamente a falta da estrutura que começa fora e continua ali dentro reflete na recuperação do apenado. Se não for dada a condição, dificilmente o apenado vai voltar à sociedade pra trabalhar. Tendo em vista que não lhe foi oportunizada uma condição de vida digna antes de entrar na penitenciária, ele vai ter grande probabilidade de delinqüir novamente.


OM - A questão da impunidade, fala-se muito que a violência acompanha o crescimento de Mossoró, mas fala-se também que a maior parte dos crimes, ou boa parte deles, é cometida por menores. O problema estaria na "impunidade" já que o menor não fica preso? Como é que se deveria tratar o menor?
EF - Na prática, nós temos a convicção de que o menor hoje tem a plena consciência das conseqüências que seus atos ilícitos podem causar, a gente tem acompanhado isso no dia a dia da advocacia. Mas o problema da impunidade nesta esfera não está no Judiciário, as próprias leis que trazem essa determinação. O menor não é detido, ele entra numa fase de reeducação, ele é um reeducando. Então, esse problema, na prática, é muito parecido com o dos maiores de 18. Aquele menor delinqüente provavelmente também não teve uma educação de base, e o próprio meio muitas vezes influencia a entrada nesse meio. O menor também não tem a boa condição de se recuperar lá dentro, há falta de estrutura nos estabelecimentos. Essa "impunidade" que muitas vezes a sociedade cobra, realmente tem uma restrição legal.


OM - Apesar do começo da solução do problema passar pela educação nesse caso, você acha que a lei deveria ser mudada?
EF - Essa questão da legislação já foi bem discutida nos últimos anos. Diminuir pra 16 anos, já que nessa idade também se pode votar. Mas a discussão é bem mais ampla. Não acredito que seja esta a solução, uma inovação legislativa nesse sentido. Porque se for mantido o sistema que hoje está posto, ele vai sair do problema da reeducação do menor para a reeducação do maior. Unicamente diminuir a maioridade, você só vai tirar ele do Ceduc para a penitenciária. Uma mera discussão legislativa não é suficiente. Existe todo um contexto que passa por vários campos de atuação do Estado.


OM - Você falou na questão do recurso que hoje existe, o Presídio Federal de Mossoró deve trazer beneficio ou vai atrair mais marginais para cá?
EF - É um benefício. Passa pela aquisição de absolvição de mão-de-obra e também o fomento da economia de um modo geral. No momento de discussão sobre a vinda do presídio foram postas várias questões como a atração de gente perigosa. Jamais houve qualquer fuga em presídio federal e há pesquisas que constatam que onde ele foi instalado há diminuição da criminalidade porque aumenta o contingente da Polícia Federal que é equipada e combate de forma eficaz a criminalidade.


OM - Como é que se faz para participar do Conselho, ou enviar sugestões?
EF - Ainda não temos sede própria. Funcionamos provisoriamente na 1ª Vara Criminal de Mossoró e o nosso trabalho às vezes fica difícil por conta dessa falta de estrutura, a gente precisa se reunir e falta um local. E para sugestões ou tirar dúvidas nós temos o telefone do Fórum Silveira Martins, o 3315- 6700.

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