sexta-feira, 17 de agosto de 2007

30 anos de Tieta do Agreste

A AMBIVALÊNCIA DO FEMININO DE JORGE AMADO

Generalizações são sempre arriscadas, mas quem nasceu no Nordeste, especialmente em municípios do interior, e viveu, no mínimo, a infância nessa terra, testemunhou ou ouviu falar da saga de mulheres repudiadas pela sociedade por terem adotado a própria liberdade como regra primeira, acima dos manuais de conduta do patriarcalismo que ainda assombra as relações na região.

Com Tieta do Agreste, lançado em 1977, Jorge Amado revelou para o resto do país a existência da mulher “gulosa de homens”, ansiosa por extravasar sua natureza.Preservadas as peculiaridades das experiências individuais, Tieta retratou o duelo do natural (mulheres geradoras de homens e de mulheres) e cultural (a função social da mulher ditada pelos homens).

Desde Gabriela, Cravo e Canela, 1958, Jorge Amado resolveu registrar os costumes de tipos reais. A linguagem, por vezes obscena, ficou conhecida do grande público através das novelas da Globo que estereotiparam a mulher fogosa e despudorada. Livre como uma cabra, Tieta se libertou dos desígnios familiares e privilegiou os instintos, a feminilidade.“É importante falar da posição ambivalente de Jorge Amado em relação à questão feminina. Ele enxerga a mulher como um homem libidinoso, às vezes como um objeto sexual e ao mesmo tempo como um ser político capaz de atormentar os homens em suas posições machistas. As mudanças que elas operam ou que são operadas a partir da chegada delas são fortes”, disse o professor de literatura e doutorando pela UFBA em Letras e Lingüística, Marcos Aurélio dos Santos Souza.

Pano de fundo para os ideais socialistas do autor, a história descreve as peripécias de uma adolescente que não sucumbiu à autoridade paterna e viveu as suas histórias de amor. Discriminada, Tieta, tal qual uma retirante, foi expulsa de Sant’Anna do Agreste, cidadezinha perdida na Bahia, prostitui-se para sobreviver, ate 26 anos depois, retornar a terra natal rica, poderosa, em busca do resgate de sua natureza, porém trajada de um novo espírito cultural: Tieta, em São Paulo , adquiriu outros costumes mais sofisticados sem perder o apego aos parentes, incluindo o pai repressor que aceitava sua ajuda financeira.

Tieta retorna a Sant’Anna travestida de alegoria do progresso. A chegada na cidade é festejada e seu poder contribui para a instalação da luz elétrica, por exemplo. Dona de si, com os pés fincados nas areias de Mangue Seco, onde reativa os impulsos naturais, a cabrita impudica comanda a própria liberdade para cometer incesto com o sobrinho.

O imaginário de Jorge Amado trafegou pelas telas da TV e do cinema para 30 anos depois de sua publicação impressa fazer a sociedade enxergar a própria hipocrisia. A história de Tieta surgiu para confrontar os conceitos cristalizados do pai, o homem-centro, o dono, a lei, com as protagonistas da vida real, mulheres de pequenas cidades tão comuns no interior do Nordeste, transgressoras de todos os arquétipos de submissão, castidade, fidelidade. É a mulher no papel que ela sabe desempenhar melhor que o homem: o da sedução.

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