sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Fale com elas:João Batista Gomes, funcionário da Ufersa há 23 anos, toma conta de uma estufa como se cuidasse dos próprios filhos

Depois de duas décadas dedicadas a cortar mato e fabricar ração, Seu João assume o amor pelas plantas


fotos: Luciano Lellys Ele passa o dia falando com as plantas: "Tem que ter zelo. Eu converso com elas. Falo sobre a maneira de pegar nos galhos, trato com cuidado", revela João Batista Gomes, funcionário da Ufersa há 23 anos. Seu João poderia fazer parte de qualquer organização de defesa do meio ambiente, mas foi na estufa da Ufersa que encontrou o lugar para trabalhar por prazer e contribuir para um mundo melhor.

Das 7h às 17h, Seu João cumpre um ritual sagrado. A natureza, nesse caso, não dispensa a ajuda de sua mão boa na hora de cumprir o ciclo natural das estações. "O povo aqui às vezes diz que eu tenho mão boa. Eu digo mão boa é de vaca que faz pirão. Minha planta é muito difícil de morrer. Eu faço do mesmo jeito dos alunos e as minhas pegam melhor", diverte-se Seu João enquanto rega as mudas.

Mas nem sempre foi assim. João Batista passou 10 anos tirando capim para gado na universidade. Freqüentou a escola por apenas um ano, tempo suficiente para aprender a assinar o nome e ler algumas palavras. O pouco tempo dedicado aos livros não impediu Seu João de trabalhar por uma vida mais tranqüila.

Do corte do mato Seu João partiu para a fábrica de ração. Foram outros dez anos dedicados a produzir a comida dos bichos. "Fazia ração balanceada para todo tipo de animal. Eles me davam a prancheta com nome de todo tipo de material, vitaminas, minerais, soja, farelo de trigo. Vinha tudo na prancheta dizendo o que levava na ração e eu preparava. Conseguia ler pouco, mas conseguia entender pelo menos o que tinha na prancheta. Eu já estava muito enjoado desse serviço, e lá tinha poeira que atinge muito a pessoa, espirrava muito, aí saí", conta.

João lê muito pouco, mas de plantas ele entende. Depois de sair da fábrica de ração foi para estufa pôr em prática tudo que aprendeu com a vida. Nascido em Natal em 1953, aos seis meses de vida Seu João veio para Mossoró, onde acompanhou o pai que trabalhou na roça por mais de 70 anos.

"Conheço uma por uma. Planto desde a semente e vou acompanhando. Eu já conhecia, eu vendia todo tipo de manga, de chá, erva doce, canela, boldo e sabia pra que serve cada um, aprendi tudo com meu pai", conta João Batista.

Empírico, Seu João sabe indicar para que serve cada uma das plantas que ele rega. E são tantas que nem mesmo ele conhece o número de mudas existentes na estufa. "Aqui tem, por exemplo, a Noni. Se a pessoa quiser saber o que é uma planta boa em medicina é só procurar a Noni. Serve pra tudo, pra renovação da pessoa, para pano branco. Tem gente que vem comprar de longe, vem do Rio de Janeiro", diz.

Há mais de 2.000 anos, os ancestrais dos povos polinésios deixaram o sudeste da Ásia em busca de novos horizontes, desvendando os mares. Além de suas famílias, estes exploradores levaram junto as plantas sagradas para sobreviver, entre elas, o Noni. Por séculos, os povos polinésios viveram em plena harmonia com sua apreciada planta, beneficiando-se de suas propriedades nutritivas. Todas as partes da planta foram usadas, as frutas, as folhas, as sementes e até mesmo cascas e raízes.

Seu João talvez nem saiba que o Noni é tão antigo, mas para ele isso não faz diferença. "Cuido tudo igual, mas tem um tapete de pinha que é a coisa mais linda. Tem carambola, pitanga, maracujá, angico, arueira, oiticica, cajueiro", aponta.

E assim Seu João passa o dia a enumerar para estudantes, professores e curiosos os benefícios das plantas. Tem as que ele indica para cerca verde, ou outras com propriedade inseticida. Para ele o que importa é o respeito. "O mundo não vai se acabar não, o povo é que vai se acabar. Acho que cuidar das plantas é um começo bom. Sem planta fica uma sequidão, com ela tem um vento bom, um clima melhor", diz João Batista.

Tantos anos dedicados a preservar a natureza parecem ter aguçado a jovialidade de Seu João. Bom humor ele tem de sobra. Antes de terminar a entrevista, ele aponta para o lado e diz: "Tá vendo aquela planta ali, é boa para ficar sempre novo". Pergunto que planta milagrosa pode satisfazer o desejo de não envelhecer de quase todo mundo. Ele me vira para o outro lado da rua e mostra uma moça bonita que passa. "Tem planta melhor que essa?", conclui Seu João.

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