sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Entrevista: Francisca de Assis Nogueira de Lima

Fotos: Luciano Lellys

Formada em pedagogia pela Uern, Francisca de Assis Nogueira de Lima, mais conhecida como Dona Cesi Nogueira, trabalhou por mais de 30 anos na educação estadual e municipal. Como conta na entrevista a seguir foi através da dor que Dona Cesi chegou ao espiritismo. Hoje, aposentada, ela não se afastou da área. Fundou a escola André Luiz para atender crianças pobres do bairro Aeroporto e adjacências. Estendeu sua boa vontade a todos da comunidade criando outros projetos, e depois das perdas naturais da vida, passou a presidir a Sociedade Espírita de Mossoró. Por uma hora numa tarde ensolarada numa das salas da Sociedade Espírita, Dona Cesi falou da doutrina, de Allan Kardec e dos projetos sociais.

O Mossoroense - Desde quando existe a Sociedade Espírita de Mossoró?
Cesi Nogueira - O Centro Espírita existia no centro da cidade e funcionou em outros lugares, sempre em casas cedidas. Isso já há 31 anos. A Sociedade funcionava onde hoje é a União Espírita. Hoje são sete casas espíritas espalhadas na cidade, todas com a mesma filosofia.

O Mossoroense - Qual é essa filosofia?
Cesi Nogueira - O espiritismo tem tríplice aspecto: ciência, filosofia, religião. É uma ciência que trata da natureza, origem do espírito e suas relações com o mundo. É uma doutrina filosófica de efeito religioso como qualquer filosofia espiritualista. O fundamento de todas as religiões que é Deus, a alma e a vida futura.

O Mossoroense - Como a senhora chegou ao Espiritismo?
Cesi Nogueira - Eu era católica praticante. Chegamos ao Espiritismo através da dor. Meu esposo passou 15 anos dependente de álcool e a gente sempre procura o melhor para a família. A gente já estava desenganado, sem saber que recursos procurar. A medicina já não resolvia o problema dele, foi aí que encontramos o Espiritismo. Passamos a trabalhar na Casa, ele passou mais de 20 anos servindo a esta instituição, foi presidente. Faz 27 anos que sou espírita. Hoje estou na terceira gestão dando continuidade ao trabalho.

O Mossoroense - E a Igreja Católica? Allan Kardec teria dado nova interpretação ao Cristianismo?
Cesi Nogueira - A Igreja Católica foi o início de uma caminhada. É uma religião espiritualista também, mas não há parentesco. O Espiritismo é cristianismo. Nós estamos iniciando um novo ciclo espiritual, mas não podemos dizer que seja contra qualquer outra filosofia espiritualista. Nosso maior objetivo é levar o evangelho, os ensinamentos de Jesus codificados por Allan Kardec. Ele não é o fundador do Espiritismo, é codificador. Ele foi investigar, ele era estudioso e viu que havia fundamento.

O Mossoroense - Que fundamento? E o que ele investigou? O que ele encontrou de diferente das outras igrejas cristãs?
Cesi Nogueira - O que realmente tem de diferente no Espiritismo é que a gente prega a reencarnação, que o catolicismo não aceita. Os católicos acreditam na ressurreição. Na ressurreição a Igreja Católica prega a volta da carne e o Espiritismo não admite a volta do corpo, e sim a reencarnação do espírito. A gente morre, mas o espírito continua a viver, e quando preparado ele volta a assumir um novo corpo e com a bagagem de todas as existências que ele já viveu.

O Mossoroense - A bagagem seria o carma?
Cesi Nogueira - Não. É o conhecimento que ele adquiriu de uma existência para outra. A gente retorna para realizar alguma coisa que ficou pendente. É um processo de evolução. O carma nada tem a ver com reencarnação. Você tem débitos e volta para ressarcir. Existem duas coisas no Espiritismo, provas e expiações. As expiações são como se fossem um carma, são coisas que você não vai deixar de pagar.

O Mossoroense - O carma é um meio de evolução no caso?
Cesi Nogueira - Sim, nós temos que pagar todos os nossos débitos, todas as nossas dívidas.

O Mossoroense - Mas isso não é muito conformista? Quem nasce pobre vai se resignar e justificar o sofrimento no espírito, em nome de um processo evolutivo? A gente retorna sem saber o que fez na vida passada, então que culpa a pessoa tem de ter nascido numa favela, por exemplo?
Cesi Nogueira - No momento que a pessoa tem conhecimento passa a ver o carma de modo diferente, e não só como punição. Nós podemos resgatar certas dívidas sem entrar nesse campo. Tem pessoas que acham bom dizer que a dor é um carma, mas às vezes somos nós mesmos com nossas imperfeições, nosso desequilíbrio. Em vez de a gente procurar melhorar, procurar fazer o bem a nós mesmos, passamos a transferir para os outros, para o carma, para a reencarnação a culpa de tudo. E não tem nada a ver. Tudo tem um preço na nossa vida e materialmente a gente não sabe, mas espiritualmente todos nós sabemos. Está tudo guardado na consciência. Uma pessoa que mora numa favela precisa ser instruída, e é o trabalho que nós fazemos. Ela precisa saber que a miséria que ela passa hoje é em decorrência do passado. Mas é preciso trabalhar para sair da miséria. Não é um castigo, mas um processo evolutivo. Que Deus seria esse? Impiedoso? Não. Isso também depende de nós.

O Mossoroense - Assim como na Igreja Católica, o Espiritismo também condena o aborto?
Cesi Nogueira - Hoje a gente vê a maior parte das religiões espiritualistas combatendo o aborto. É um absurdo tirar a vida de alguém antes de vingar.

O Mossoroense - Nem em caso de estupro?
Cesi Nogueira - Isso depende da mãe, se ela quer ou não receber. Mas não deve. Nós temos histórias de pessoas que engravidaram de estupro e lá na frente viram que não deviam ter tirado a vida do bebê.

O Mossoroense - No caso do vício? Existe essa história de encosto?
Cesi Nogueira - Não é encosto, são espíritos obsessores. Mas o indivíduo também já traz consigo a tendência, a vontade de beber. Ele só se liga aos espíritos obsessores porque ele dá margem. Obsessão existe, espíritos viciados existem na sua casa, no trabalho, mas cabe a nós nos ligarmos aos bons espíritos.

O Mossoroense - E quanto aos projetos sociais da Sociedade Espírita de Mossoró?
Cesi Nogueira - Nós nos reunimos para a compra de um terreno. Era apenas uma casa. Eu já tinha uns 10 anos de espiritismo quando decidi fundar uma escola. Fizemos uma pesquisa e vimos a necessidade das pessoas do bairro do aeroporto, e na época todos nos pediam escola. Fundamos a André Luiz que no começo era apenas uma creche. Com o tempo partimos para a pré-escola e o primeiro grau menor. E hoje estamos com esse trabalho educacional. A escola já tem 19 anos. Em parceria com a prefeitura e verbas federais atendemos mais de 400 crianças do bairro Aeroporto e adjacências. Elas recebem merenda escolar, material, fardamento, medicamento. Trabalhamos também com idosos. Hoje são 40 que têm dias de ocupação e dias de lazer. Fazem tapetes, bonecas, guardanapos. Temos outro projeto para gestantes, especialmente as que não têm muitas condições. Mães solteiras ou com maridos desempregados, elas vem para cá, aprendem a costurar e fazer o próprio enxoval. Temos uma parceria com o Canadá, fizemos contato com a embaixada e conseguimos há quatro anos montar uma fabrica aqui. O projeto Costura e Cidadania atende mulheres que não tinham perspectivas. Fechamos também parceria com a Funger e estas mulheres aprendem a costurar. Hoje elas formaram grupos entre elas, compraram máquinas, outras costuram em casa, e outras em empresas de Mossoró e algumas aqui dentro da sociedade mesmo. São mais de 70 mulheres beneficiadas. Agora estamos fechando um projeto com a Uern para trazer música e teatro para as crianças e jovens da comunidade.

Nenhum comentário: