sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Capa: Dia Internacional do Livro Infantil

A deliciosa tarefa de apresentar o mundo às crianças

Os primeiros livros para crianças surgiram no final do século XVII escritos por professores e pedagogos. As obras tinham caráter pedagógico e, por isso, sofreram do estigma de literária menor. Passava pela cabeça dos autores da época a intenção de ensinar valores, ajudar a enfrentar a realidade social e contribuir para a adoção de hábitos. Com Thales de Andrade, em 1917, a literatura infantil nacional teve início e em 1921 Monteiro Lobato estreou com "Narizinho Arrebitado", apresentando ao mundo Emília, a mais contemporânea das fadas.

A partir da Idade Moderna a criança é vista como um indivíduo que precisa de atenção especial e o adulto passa a idealizar a infância como um espaço inocente e dependente pela falta de experiência da realidade. Com isso os livros começaram a ser escritos para educar as crianças a encarar o mundo de maneira mais lúdica, menos didática.

Com a Psicologia da Aprendizagem a infância é tratada como uma etapa de preparação do pensamento para a vida adulta, já que o pensamento infantil não tem ainda uma lógica racional. O livro passa a ser concebido para se adequar às fases do raciocínio, dividido em idade cronológica. A discussão, na verdade, não pára por ai. A infância é uma fase também cheia de conflitos, medos, dúvidas e contradições. O adulto, o escritor, não pode esquecer que ele é referência, imagem projetada no universo infantil.

Nesta órbita em ebulição resolveu flutuar o jornalista potiguar Juliano Freire de Souza. Ele escreve desde os 12 anos. Começou com enredos que tratavam de intrigas, espionagem. Mas pela falta de oportunidades para quem trabalha com as letras no Rio Grande do Norte, demorou a mostrar suas obras. “Acho que meu filho, Luca, de oito anos, ajudou-me a criar coragem para lançar textos literários e que bom que são destinados às crianças. Tudo foi muito natural, sem planejamento, contando estórias para ele, para embalar seus sonhos. As peripécias das personagens foram ficando guardadas na memória até que em 2002, decidi escrevê-las. Tenho mais quatro em gestação. Escrever tem haver com paternidade e maternidade, são vidas imaginárias que podem servir de inspiração, de exemplo para vidas reais. Se puder passar algo de bom, de educativo para as crianças, minha missão estará cumprida” diz Juliano Souza.

Foram dois livros lançados em menos de um ano. No final de novembro de 2006, “Doninha e o Marimbondo”, fábula infantil editada com recursos próprios e “Pereyra – O menino bom de bola”, em junho deste ano, durante a Bienal Nacional do Livro de Natal, pelo selo infantil da Cortez Editora, de São Paulo.
“Doninha” atinge com mais força o imaginário de crianças em fase de pré-alfabetização. Mostra o sacrifício de um inseto em seu esforço diário pela sobrevivência e a fome de um marimbondo que não tem o que comer. É um trabalho atemporal, sem amarras à cronologia. Fala de perseguição e amor, perigo e perdão. Em 10 dias, a primeira tiragem de 500 exemplares esgotou. Uma escola de Natal adotou o livro para seus alunos da 2ª série do ensino fundamental.


“Pereyra” traz de volta as brincadeiras simples da rua, como subir em árvores, trata do amor de filhos e pais, jogar bola no barro batido, de superar a pobreza com amor. É a travessura sadia de um tipo de infância cada vez mais rara, substituída pela tecnologia. A historia apresenta um garoto de um bairro pobre, que joga muita bola, mas não larga os livros. A penúria de sua família não é obstáculo para seus sonhos. “O legal deste trabalho é que ele extrapola fronteiras. É motivo de estímulo saber que seu texto está chegando a leitores de vários estados. Nesses momentos, tenho certeza que eu aprendo mais com as crianças do que elas comigo”, revela o escritor.

Porém, a realidade não é tão lúdica quanto pode parecer. Enfrentar o mercado tanto regional quanto nacional num país que têm dificuldade de promover a leitura talvez seja mais difícil que juntar as palavras para contar as histórias. “Quando você lança um livro com recursos próprios, com muito suor, é mais difícil fazer chegar os exemplares às escolas. É um esforço tão grande quanto o da formiga Doninha. Concordo com autores como Galeno Amorim e Pedro Bandeira, gente que vende milhares, milhões de livros. Eles defendem que é dever dos governos abastecer as bibliotecas públicas com livros infantis, pois são eles que apresentarão o mundo literário as crianças. Muita gente não pode pagar R$ 10,00, R$ 20,00, R$ 30,00 por um livro, quando tem de priorizar o alimento para sua família. E o autor não tem incentivo algum para vender livros a preços mais acessíveis. Esse ciclo vicioso tem de acabar, e os governos devem fomentar a leitura”, sugere Juliano Souza.

Apesar do labéu que ronda o labor, o jornalista não cogita sair de órbita. “É um desafio sublime. Tentamos formar os leitores do futuro e como este país, este Estado, nossas cidades, precisam de pessoas conscientes. Tem de haver compromisso, amor, dedicação e a vontade de recuperar valores. E jamais, subestimar a inteligência de meninas e meninos. Há uma mistura de complexidade e de simplicidade. Cada criança é um poço de anseios e com um imaginário próprio, ao mesmo tempo não é preciso complicar, para passar sua mensagem. Também quero escrever para adultos, como fez meu tio avô Manoel Rodrigues de Melo, orgulho da literatura regionalista do Rio Grande do Norte”.

Se existe receita para um bom livro, Juliano não titubeia: acreditar em sua “estória” é o primeiro passo para criar um registro que não morre. Monteiro Lobato foi mestre, Jorge Amado também escreveu, Adriana Calcanhotto lançou disco e ate Madonna resolveu publicar nessa área, além dos sucessos como Harry Potter, que apesar de seguirem uma temática mais adolescente, também encantam crianças. De onde vem esse fascínio? Ou será um filão lucrativo?

“O fascínio vem da fantasia. De um mundo paralelo que não existe, mas que apresenta elementos presentes em nossas realidades. A dualidade bem e mal encanta há milênios. Você nota que nas obras eternas como as de Monteiro Lobato, o ícone maior do segmento no Brasil, o aspecto de não pertencer a nenhuma época faz de suas estórias sucessos perenes. Falar de filão lucrativo em literatura neste país é falar de exceções. Jorge Amado é um dos raros exemplos. Literatura infantil não é um filão lucrativo, apesar de haver autores brasileiros que já venderam milhões de exemplares de suas obras nesta área. O primeiro a ficar fascinado com este universo das estórias é o autor. Se ele não se encantar primeiro com aquilo que criou, quem ficará? Mas para a maioria, viver de literatura é um cenário distante” pontua Juliano Freire.

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