terça-feira, 29 de abril de 2008

Hard Candy pelo UOL

Madonna lança "Hard Candy", disco tão colorido, saboroso e enjoativo quanto uma loja de doces


MARCELO NEGROMONTE

Editor de Entretenimento do UOL


Em "Hard Candy", 11° e último álbum que Madonna lança nesta segunda (28) pela Warner, a cantora é acompanhada por uma espécie de "dream team" de produtores e colaboradores, todos eles familiarizados ao topo das paradas dos EUA e do mundo. É uma atitude inédita.

Justo no último, Madonna divide pela primeira vez os créditos de um disco com performers como ela: Justin Timberlake (canta e produz), Timbaland, Pharrell Williams (dos Neptunes e N.E.R.D.), Nate "Danja" Hills e Kanye West (que canta em "Beat Goes On"). Depois de ter álbuns produzidos por nomes underground europeus, que ajudaram a dar o aspecto "pop de vanguarda" à mãe de Lola, como William Orbit, Mirwaïs e Stuart Price, Madonna vai agora "pras cabeças" --ou o que teoricamente há de melhor no mainstream norte-americano--, o que soa mais como uma nova brincadeira para ela do que uma aposta de fato.

"Hard Candy" seria um disco à frente de seu tempo em 2002, apontaria o espírito dos anos 2000. Em 2008, o álbum cumpre o que promete: faz dançar, com discothèque, hip hop, funk, vozes processadas, tudo cirurgicamente embalado no ProTools. É um "Confessions on the Dancefloor", sem as "confessions", sem aquele fiapo de espiritualidade, que fora mais espesso em "Ray of Light" (1998).

A era desses superprodutores parece chegar ao fim com esse álbum e com essa década: idéias repetidas, "assinaturas" que se tornam pastiche deles mesmos, um déjà-vu pop, ainda que seja evidente a presença da mão experiente de Madonna em todas as músicas.

Há uma diferença em ser convidado por Madonna para produzir e compor músicas do disco dela e ser convocado para turbinar carreiras de clientes como Nelly Furtado e Britney Spears, ambas tributárias de Madonna --"ela não é eu/ ela não tem o meu nome/ ela nunca terá o que eu tenho", canta Madonna, em contexto diverso, em "She's Not Me", com forte sabor Chic.

É possível apontar, sem nem ler os créditos, quais músicas são produzidas por Timbaland e Pharell Williams, por exemplo. E isso é um risco em uma via de mão dupla. Se se torna um material claramente de autoria desses produtores, também é material de Madonna, que confere, por sua vez, sua imagem poderosa, a imagem do Mickey da música, a esses produtores. Em vez de "reinvenções", Madonna agora engole de volta o pop que ajudou a forjar.

E esse amálgama de personalidades, de "divas", como ela disse, resulta no disco mais dançante e pop desde "Music" (2000). "Incredible", por exemplo, é uma "típica Pharell", com vocais quebrados e estrutura "heterodoxa", o que representa uma espécie de ponto de inflexão na carreira de Madonna, que nunca havia dividido os holofotes com ninguém em disco próprio.

Para dançar, há "Candy Shop", que abre o álbum, outra típica Pharell, com sons de respiração ofegante, violão latino. Corrijo: é antes uma música ideal para uma performance grandiosa na boate. Assim como a boa "4 Minutes", com Timberlake, Timbaland, e suas batidas bem marcadas, acompanhadas de sirenes de navio alucinadas, que levam o corpo a movimentos dramáticos. Quatro minutos para salvar o mundo ou, como escreveu o crítico Jon Pareles, no "New York Times", apenas o tempo de um hit pop.

Com "Give It 2 Me", o próximo single, você dança, agora sim, sem restrições. "Ninguém vai me dizer como, ninguém vai me parar agora", canta Madonna aos 49 e prestes a começar uma nova fase em sua carreira de 26 anos com o contrato de dez anos assinado com a LiveNation, sob o qual a empresa passa a lançar seus discos e gerenciar seus shows. "I can go on and on and on" (Eu posso continuar e continuar e continuar). É admirável que Madonna, justo ela, seja a única cantora em atividade que possa dizer isso ainda hoje, 25 anos depois do primeiro álbum.

E é aí, precisamente nesse próximo passo, que Madonna deve apresentar mais surpresas do que o fez com "Hard Candy", um álbum que é doce, mas não é mole, não. Agora ela manteve seu valor de mercado (o que não é pouco), mas não foi além; ela entretém como a música pop tradicional pede, sem "polêmicas" com algum sexo, asséptico, "permitido".

Enfim, "Hard Candy" é como lojas de doces, colorida e divertida; uma loja de doces com oferta de sabores já conhecidos, mas tão gostosos quanto enjoativos."My sugar is raw", diz ela apropriadamente no último disco da gravadora pela qual ela vendeu, até agora, uns 200 milhões de discos. Só a maior entertainer do mundo pode encerrar um ciclo assim --ainda mais vestida como uma boxeadora "deluxe", com braços esdruxulamente torneados.

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